«Liberté! Sauvons la liberté! La liberté sauvera le reste!» Victor Hugo.

28/09/2007

A Miséria do Multiplicador Keynesiano

O método é o que distingue uma teoria científica de uma teoria não-científica. Uma teoria se torna um “mito” quando nós esquecemos as fundamentações lógicas e racionais que se encontram por trás da teoria científica. Quando esquecemos os pressupostos, intuições e derivações lógicas da teoria, ela se torna algo “mítico”. Por mito queremos dizer algo que é aceito por fazer parte de uma narrativa tradicional, algo que é “sagrado”. Ao contrário do que muitos heterodoxos afirmam, todas as teorias tem pressupostos simplificadores e arbitrários. Essa é sina de todo o conhecimento humano. A própria palavra “teoria” siginifica especulação. É a conexão entre a causa e o efeito.

Um exemplo de uma teoria que se tornou um mito foi a idéia do “Multiplicador Keynesiano”. O leitor deste blog provavelmente já conhece essa teoria. O “gasto”, seja de consumo ou investimento, geraria um “efeito dominó” por toda a economia que teria um impacto maior sobre a renda do que o volume de gasto incial. Por trás disso, existe a idéia de que o gasto de uma pessoa é a renda de outra. Se um indivíduo tem 100 reais e gasta 80 na padaria, poupando os 20 reais restantes, o padeiro, passaria a ter 80 reais, que dos quais pouparia 16 reais e gastaria 64 no açougue, por exemplo. O açogueiro, por sua vez, poupa 12,8 e gasta 51,2 no alfaiate e assim sucessivamente. Diz-se que nessa situação o multiplicador é 5, ou seja, um gasto inicial de 100 causará um aumento na renda de 500 reais.

Essa idéia sempre me incomodou. Como que simplesmente gastar irá fazer a sua renda aumentar? Se pensarmos no nível do indivíduo, esse argumento parece uma tolice sem tamanho. Se eu quero aumentar meu poder aquisitivo (aumentar minha renda), eu tenho três opções: a primeira é arranjar um emprego que pague mais, ou seja, eu preciso realizar uma atividade na qual eu tenho um desempenho melhor. Uma atividade onde sou mais produtivo. A segunda opção seria a de poupar parte da minha renda e emprestá-la para alguém. Eu não preciso emprestar diretamente, pois posso fazê-lo através de um banco. Fazendo isso, no futuro, eu possuirei um poder aquisitivo maior. A terceira alternativa para aumentar meu poder aquisitivo é me endividar. Se eu quero consumir agora, eu posso pedir emprestado o dinheiro de alguém que está poupando. Essas são as únicas maneiras de aumentar minha renda. Nenhuma delas envolve “gasto”.

Note que essas três alternativas têm algo em comum. Para poder aumentar minha renda, eu preciso aumentar minha produção. Na primeira alternativa, eu aumento minha produção ao arranjar um emprego que me permita produzir mais, que me permita ganhar mais dinheiro. Na segunda opção, eu faço uma poupança, recebendo juros que irão aumentar minha riqueza futura e, conseqüentemente, meu consumo futuro. Na última opção, eu me endivido e, portanto, posso consumir mais no presente, mas terei que aumentar minha produção no futuro para poder pagar o empréstimo. O consumo só é possível se os invíduos ofertarem algo em troca. Para demandar algo eu preciso ofertar alguma coisa. É esse o principio da Lei de Say. Sem produção, não existe demanda. A produção me permite demandar.

Keynes, ao explicar o multiplicador, afirma que o consumo de uma pessoa é a renda de outra pessoa e assim sucessivamente. O que ele esquece de dizer é que o consumo de um indivíduo só é possível se ele produzir algo de útil. Só pode demandar se ofertar. O consumo por si só não “aumenta renda”. O que aumenta a renda é a poupança. Poupança permite o investimento em capital físico, capital humano e tecnologia. Tais investimentos aumentam a produtividade da economia e, consqüentemente, o poder aquisitivo do país.Quando se aumenta o consumo, a poupança é reduzida e, portanto, a capacidade da economia de crescer é reduzida. Os empresários possuem menos fundos a sua disposição. O aumento do consumo pressupõe que exista uma produção que permita esse aumento. Esses produtos extras virão da poupança. Ou seja, se o consumo aumentar agora, a economia terá uma menor capacidade de crescimento. Há um “trade-off” muito claro.

Se isso é verdade, então como que o Multiplicador pode funcionar? Ele funciona, pois para Keynes não existem custos em aumentar o consumo. Isso ocorre porque ele considera que a poupança é um “vazamento”. Ela é algo ruim que não serve pra nada. Para ele, todo o dinheiro poupado será “enterrado” e não será revertido em investimento. O indivíduo, e a economia como um todo, não passaria pelo dilema da escolha intertemporal, qual seja, a escolha de consumir agora ou consumir mais no futuro. Poupar, na visão de Keynes, seria burrice. Não serviria para nada.É por isso que aprendemos em Macroeconomia I que o multiplicador dos gastos do governo é maior do que o dos tributos. Isso ocorre porque o governo, ao tributar, retira parte da renda destinada ao consumo e outra parte destinada a poupança. A parte destinada ao consumo causa um efeito negativo sobre a renda. Entretanto, a parte retirada da poupança mais que compensa a perda do consumo. Isso só ocorre porque Keynes considera a poupança algo inútil. Se considerarmos que ela seria destinada a investimentos por parte do setor privado, então a renda da economia seria prejudicada.

Os investimentos do setor privado seriam reduzidos.- Portanto, o mito do multiplicador keynesiano é falacioso, pois não leva em consideração de que, para haver consumo, é necessário haver produção compatível. Não é o consumo que aumenta produção. É a maior produção que aumenta a capacidade de consumir.- Portanto, caro leitor, sempre que alguém vier com essa “histórinha do multiplicador”, pergunte para si mesmo: “Como esse consumo foi pago? Da onde o consumidor conseguiu obter produção para poder realizar a troca?”.

* Lembre-se: O consumo de uma pessoa só é possível se ela tiver produzido ou pegado emprestado algo de alguém. Toda a demanda pressupõe a oferta de algum bem. Todo e qualquer consumo deve ser finaciado com alguma produção. Quanto maior a produção, maior o consumo.

# Escrito por Guilherme Stein no blog Rabiscos Econômicos.