«Liberté! Sauvons la liberté! La liberté sauvera le reste!» Victor Hugo.

12/11/2007

Absolutismo, ponto de partida do socialismo autoritário

A maioria dos precursores do socialismo não esperavam nada, em favor de sua causa, das conjurações e intentos de sublevação, porque muitos deles, por experiência própria, tinham visto a esterilidade de tais intentos. Outros extraíam as conclusões dos resultados imediatos da história contemporânea. Compreendiam que era impossível querer, por meio da violência, levar as coisas à sua maturidade, visto acharem-se na primeira fase de seu desenvolvimento natural e que, no momento, só tinham encontrado um eco espiritual numa pequena minoria. Sua concepção é tanto mais compreensível visto que, em seu caso, não se tratava da mudança comum de governo, mas da transformação de todas as condições sociais de vida, objetivo impossível de lograr sem contar com a disposição espiritual de amplas massas populares. Não era, pois, nem ingenuidade pessoal nem inconsistência nas convicções o que deu lugar a semelhantes reflexões, mas tão-somente a total importância de uns indivíduos situados numa época que tinha perdido todos os vínculos sociais, e que conhecia unicamente as ordens de mando e uma submissão sem resistência.

Mas tampouco os grandes precursores do socialismo puderam subtrair-se às influências autoritárias do tempo, por muito que suas idéias se tivessem adiantado à época. As concepções liberais, que noutra época teriam encontrado expressão na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, tinham passado para segundo plano, dando lugar ao novo absolutismo de Napoleão, herdeiro da Revolução. Os povos tinham-se novamente transformado em rebanhos, cujo destino descansava nas mãos de novos homens superiores, que lhe davam forma. O jacobinismo tinha refrescado a crença na onipotência do Estado, crença que, devido à Revolução, tinha perdido seu brilho durante algum tempo. Mas Napoleão, por sua própria autoridade, se convertera em “mecânico que inventa a máquina”, como Rousseau costumava chamar ao legislador. Os imensos êxitos militares e políticos do conquistador corso, em todo o Continente, desencadearam uma verdadeira onda de admiração, que sobreviveu à sua queda. A crença milagrosa nos “grandes heróis” da história, amoldando, à sua vontade, o destino dos povos, como o padeiro que amassa o pão, celebrava seus maiores triunfos e fazia que se turvasse o olhar dos homens ante qualquer sucesso orgânico. A fé na onipotência da autoridade converteu-se, de novo, no conteúdo da história e encontrou expressão nos escritos de Haller, Hegel, De Maistre, Bonald e outros. O lema de De Maistre: “Sem Papa, não há soberania; sem soberania, não há unidade; sem unidade, não há autoridade; sem autoridade não há ordem”, converteu-se no leit-motiv dessa nova reação que se ia estendendo sobre toda a Europa.

Só ao ter em conta a época em que o espírito de autoridade celebrava seus maiores triunfos, quando não existia nenhuma contracorrente política capaz de debilitar o sentimento de dependência total, podemos compreender que Saint-Simon, em 1813, escrevesse sua famosa carta a Napoleão a fim de o estimular a levar a cabo uma reorganização da sociedade européia; ou que Robert Owen se dirigisse a Frederico Gentz, escritor tão espiritual como falto de caráter, a soldo da Santa Aliança, para propor-lhe que apresentasse ante o Congresso dos princípes de Aquisgran (1818) seus planos para combater a miséria social ou que Fourier fizesse uma sugestão semelhante ao ministro de Justiça de Napoleão, esperando, mais tarde, durante dez anos, o homem que havia de pôr à sua disposição um milhão de francos, soma com a qual pretendia fazer um ensaio prático de grande envergadura, para a realização de suas idéias.

No ano de 1809 apareceu em Paris uma obra em dois tomos, intitulada “La Philosophie du Ruvarebohni”, um dos produtos mais engenhosos da literatura socialista daquela época. A obra contém toda uma série de reflexões brilhantes sobre as bases de uma sociedade socialista, no detalhe das quais não podemos penetrar. O característico deste livro é que seu autor imagina a libertação da sociedade pelo grande chefe Poleano, que, com a ajuda dos grandes sábios do povo dos Icanarís, inicia e dirige o grande renascimento da humanidade. Da mesma forma que o cônsul romano Cincinato, depois da guerra volveu ao seu arado, assim Poleano renuncia voluntariamente o seu poder, para viver como os seus concidadãos, gozando com eles dos frutos da obra que tinha levado a cabo tão brilhantemente. Poleano é, logo se vê, uma deformação do nome de Napoleão e o povo dos Icanarís é outra designação para os dos franceses (français).

Sem dúvida, os autores desse estranho livro sentiram-se estimulados a escrevê-lo pelos múltiplos planos de Napoleão, mediante os quais este esperava romper a resistência dos ingleses e converter a indústria francesa na primeira do mundo. Suas inumeráveis conferências com homens de ciência, técnicos, industriais e representantes do alto capital, assim como com aventureiros de toda laia, impostores de toda classe, charlatões, cujo único objetivo era o de encher os seus bolsos, só tinham em vista essa única meta. Em tais circunstâncias era compreensível que nossos filósofos abrigassem a esperança de ganhar o Imperador para seus projetos, fazendo do absolutismo o ponto de partida do socialismo.

# As idéias absolutistas no socialismo, Rudolf Rocker