«Liberté! Sauvons la liberté! La liberté sauvera le reste!» Victor Hugo.

22/08/2007

Contra quem esta guerra realmente é?


O problema relativo à liberalização das drogas pode ser observado por duas perspectivas: uma liberal e outra conhecida como utilitária. Por liberalismo, sou levado a entender o anarco-capitalismo e o libertarianismo rothbardiano, tudo junto, já que são duas perspectivas diferentes, haja vista existirem anarco-capitalistas não rothbardianos e vice versa. O resultado desta escolha (o indivíduo como parâmetro para qualquer decisão) influi no estabelecimento da seguinte questão: o que dá legitimidade para que o governo legisle sobre aquilo que, de modo imediato, atinge apenas uma pessoa (diretamente) e mais ninguém (indiretamente)?

Pela perspectiva utilitária a resposta seria baseada em que quem consome tais tipos de substâncias afeta não apenas a si próprio, mas todos aqueles que te rodeiam (de maneira indireta), sem a sua concordância expressa. Sua ação auto-destrutiva também assim o seria em relação aos seus pais, irmãos, etc, que sofreriam por esta sua conduta. Indiretamente, estas leis seriam justificadas em virtude daqueles que vendem estas substancias, financiam diretamente diversas outras atividades ilegais com a venda destas substâncias, como o trafico ilegal de armas, pessoas, roubo, etc. Assim, reprime-se a droga em duas perspectivas: numa de caráter pessoal e numa outra de caráter mais geral coletivo.

Pela ótica liberal, acredita-se que o uso de droga diz respeito ao indivíduo, nunca ao governo ou Estado, muito menos a políticas publicas patrocinadas com o seu próprio dinheiro. O liberalismo, da forma como eu o entendo, como filosofia política, não faz juízo de valor, mas de fato, ou seja, apenas estabelece parâmetros à averiguação de lesões a direitos individuais. Como expressa bem Rothbard:
O credo libertário repousa sobre um axioma central: que nenhum homem ou grupo de homens pode ter o direito de agredir uma pessoa ou sua propriedade. Isto pode ser chamado de axioma de não agressão. Agressão, por outro lado, é definida como a iniciação do uso, ou a ameaça de violência física contra qualquer pessoa ou contra a sua propriedade. Agressão é consequentemente sinônimo de invasão. [Link]
Entretanto, esta é uma posição difícil de ser sustentada à primeira vista, haja vista ser um contra-senso, como o observado pela perspectiva utilitária, pois minhas ações sempre têm repercussões externas, que não sei quais são ou mesmo que não tenho possibilidade de prevê-las. Nesse sentido calcam muitos liberais a sua posição a respeito do uso de droga e da proibição da mesma em detrimento da venda livre e restrita apenas aos adultos.

Entretanto, esta posição utilitária repousa em uma falácia completa, que, se for exposta, demonstrará que a perspectiva liberal (e de todas as suas conseqüências) é a mais plausível e satisfatória, tanto para o indivíduo bem como para a sociedade como um todo.

A falácia central da teoria utilitarista, que é a mais utilizada por sinal (pois é a que da mais vazão às conhecidas liberdades positivas, o que contribui de modo direito ao inchaço do Estado na sociedade em detrimento do indivíduo), é que se for levada às ultimas conseqüências lesará todos de uma fora muito pior do que aquela que permite alguém individualmente usar destas substancias sem a ação do Estado para impedi-lo. Veja. Uma teoria para ser válida deve ser levada às ultimas conseqüências em todos os seus argumentos e não fugir a essência de seu argumento central que lhe serve de fundamento. Do contrario, será mais uma teoria sem sentido algum, pois apenas serve de utilidade a condições genéricas e previamente estabelecidas, o que nunca ocorre no mundo real.

A teoria utilitária, como se sabe, repousa, basicamente, no argumento da felicidade geral, de modo que uma ação somente é boa no sentido de quando trás felicidade ao maior numero de pessoas. Assim, as drogas seriam proibidas não para a manutenção da saúde individual, mas para um para o bem comum maior.

Muito bom até agora, mas será que em todos os aspectos desta teoria seriam válidos se levados às ultimas conseqüências? (digo de passagem que para mim em nenhum momento os são). A meu ver não, pois se dez pessoas com fome quisessem assassinar e depois assar uma outra pessoa para comê-la no caso daqueles estarem como fome não retira o direito daquela pessoa em permanecer com vida (parece fora da realidade, mas imagine essa situação: Imigrantes ilegais da República Dominicana tiveram de comer a carne dos companheiros de viagem mortos para garantir sobrevivência enquanto o barco em que tentavam chegar a Porto Rico estava à deriva – Leia a noticia aqui).

Ou seja, o direito desta em permanecer com vida transcende toda e qualquer tentativa em contrario. O seu direito à vida é natural, inquestionável e imutável. Querendo ou não, esta pessoa pode e tem o dever de reagir em legítima defesa contra aqueles agressores. Será que eles poderiam retirar a vida de uma pessoa para se alimentarem? Claro que não.

Por outro lado, entretanto, pelo lado utilitarista, ela nada poderia fazer. Teria que se sujeitar a vontade dos demais. Assim exposto, o argumento utilitarista faria com que ninguém em sã consciência defendesse esta perspectiva. Mas, de modo, implícito, é ela que serve de vetor às mais variadas leis: de regulação econômica, de conceder isto ou aquilo para A ou B, como no caso da redistribuição de renda, ou mesmo no caso da legislação anti-drogas. No caso brasileiro, pois é o que mais tenho contato, nossa lei, de certa maneira, despenalizou o seu uso, mas não descriminalizou a sua conduta. Mas isso apenas basta? A meu ver a teoria liberal pode isso explicar.

E pode da seguinte maneira. Cada individuo é soberano da sua vida. Isso demonstra que, se não existe agressão direta da sua pessoa contra a minha própria pessoa ou minha propriedade, por mais que desta conduta discorde (como pessoalmente faço), nada poderei fazer, legitimamente, que impeça esta sua ação. Os conhecidos crimes sem vítimas ilustram essa situação. Da mesma forma que proíbem a venda livre de droga, deveriam proibir e combater no rigor da “lei” todas as outras condutas que não lesam diretamente mais ninguém, senão aqueles mesmos que a praticam de modo voluntário. A tatuagem poderia ser um exemplo, pois a tatuagem é uma modificação radical no corpo, passível, como qualquer outra atividade com o mesmo fim, a riscos e enormes possibilidades do contágio com diversas doenças.

Nesta perspectiva a tatuagem deveria ser proibida, como a venda de drogas.

Mas e quanto àquelas possíveis agressões indiretas que tanto nos falam os utilitaristas como argumento contra a venda livre de drogas, que dela sempre decorrem? Numa sociedade completamente livre, onde as liberdades são garantidas de forma plena, não haveria uma agressão indireta, pois a mesma deixaria de ser agressão, pois somente são consideradas como atos ilícitos as agressões diretas, contra a mim ou à minha propriedade. Mas e no caso do dinheiro arrecadado com a venda de droga ser usado para outras atividades ilícitas diretas, como roubo ou assassinato, por exemplo?

Neste caso, seriam punidas como ações diretas à minha pessoa ou minha propriedade. Pensar o contrário seria estabelecer, de modo retroativo, toda ação como sendo criminosa se no final existe um crime. Assim, se uma pessoa compra uma arma, almoça, dorme em sua casa, vê televisão, sai e comete um roubo, haveria também de se considerar como crime o fato dela ter almoçado e visto um programa de televisão! Um contra senso absurdo. Cada ato deve ser pensado isoladamente, de modo a punir somente aquelas condutas que são em si um crime em si mesmo (uso de violência), e não aquelas que não são crimes de modo direto (onde não há uma agressão). Juntar tudo num argumento só, a venda de drogas e violência, não tem o menor senso lógico para proibição de venda daquela. A partir do momento que existe uma legislação proibindo a venda de drogas, por outro lado, o resultado leva inevitavelmente ao aumento da violência.

Primeiro pelo fato do custo da produção ser elevado, dado ao seu risco, tendo o consumidor que pagar um preço muito mais alto do que o estabelecido entre diversos vendedores. São exemplos claros de monopólios forçados pela ação estatal. Ainda, some-se ao fato do risco dos outros concorrentes. Neste ramo sabemos o que acontece com os envolvidos. Morrem todos jovens. A isso se dá, literalmente, pela necessidade de eliminar a concorrência, pois ninguém sabe quem amanhã será o vendedor. A nossa legislação, excetuado o caso de trafico, não pune com detenção ou reclusão o usuário destas substancias. Um avanço, mas não muito. O ideal seria a liberação ampla e total, pelos fatos expostos e das conseqüências que deles deduzimos.

Agora uma explicação. Muitas vezes somos levados pelo equivoco das pessoas a nos considerarem como apologistas do uso de drogas, e tudo o mais que daí decorre. Nada está mais longe da verdade do que essas afirmações. Não acredito que o uso de drogas seja bom, saudável ou mesmo interessante. Repudio o seu uso como qualquer outra pessoa de bem. Mas ainda penso que muito maior que os danos causados pela sua proibição são aqueles que decorrem da não possibilidade de uma pessoa satisfazer seus desejos de uma forma livre e não agressiva.

Vícios, como diria Lysander Spooner, não são crimes. Crimes partem da coação, coação essa que, na maioria dos casos, vem sempre do Estado em tentar manter o bem comum.

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